Disse uma amiga: "queria ser homem e não me importar com nada". Discutíamos questões sobre sexo casual, afetos, descarte desses afetos. Sobre nossa dificuldade em não sonhar com algo melhor, para além da embriaguez, da mera conveniência e da economia fisiológica - à qual muitos chamam de amor. A cada caso de "amor" descartado que me aparece, pergunto-me se o homem realmente acreditou amar ou, desde o princípio, utilizou estrategicamente a palavra, ciente de si e de sua capacidade de mentir. Se as desculpas esfarrapadas realmente o convencem, se as usa para o auto-convencimento ou se simplesmente desistiu de qualquer qualidade afetiva e apenas... mente.
Agora na verdade me pergunto se a brutalidade do mundo dos homens é exclusiva deles ou se há algo de elemental da humanidade. Ou se, como a vítima da violência se torna violenta, aprendeste a ser como eles. Estou entre a misandria e a misantropia. Ou talvez, ainda, um terceiro caso: apenas resto incrédula e incapaz de acreditar em qualquer coisa depois do que fizeste comigo. Fato é que o ódio precisa ser alocado; a dificuldade é determinar o tamanho do meu objeto.
Essa questão me persegue pois, diferente de ti - e dos homens - ainda me importo com alguma coisa deste sonho do afeto, mesmo que já não o queira mais. E me importo com o momento quando disse me amar. Pergunto-me se tu realmente acreditou me amar; se tuas palavras realmente a convencem; se as usou para o auto-convencimento. É muita coincidência ser descartada menos de 24h depois de ouvir estas palavras. E enquanto tu sofria pela brutalidade de um homem.
Primeiro como tragédia, depois como farsa. A brutalidade do mundo dos homens teceu grandes momentos inigualáveis, irreparáveis, na História. Representou a queda de César. Hoje representa o fim de ti, eu, nós. Esta falsificada e irrelevante santa trindade desfeita como pó carregado ao vento, justamente no momento enquanto tu sofria pelo bruto ataque de um homem.
É difícil não cair numa análise psicologizante: a transferência do ódio dele para mim; a tentativa de reverter o amor declarado que você mesma não é capaz de aceitar; o caminho pela autodestruição. Disse-me, antes de dar fim a nosso mundo, supostamente protegido da brutalidade do mundo dos homens: "não tenho muitos amigos". É tentador explicar o porquê.
Não tens amigos, tem homens casuais que te descartam. E foi este o caminho que preferiu. Destruiu qualquer coisa que eu era para ti por conta de um anônimo aleatório que, tenho certeza, sequer lembra o nome - e que era fisicamente idêntico ao mais recente usuário do bruto punhal dos homens: aquele quem te fez mal; quem te fez sentar em silêncio; quem te fez se diminuir.
Fico orgulhosa de ter me colocado no caminho. Fiz a "cena" que me destituiu do Olimpo que construiu para ti de teus "poucos amigos", como se este representasse seletividade e não fraqueza. Não me arrependo. Faria de novo. Tomaria tiros disparados por ti. Aniquilaria nossa amizade, sincera e eterna pelo menos por minha parte, quinhentas vezes antes de te ver cair novamente na sanguinolenta mão bruta dos homens. Agiria pelas sombras, como a esquiva bruxa disfarçada de mendiga que, ao receber uma moeda, transfere pelo toque a maldição contra o homem que te amaldiçoou. E tu nunca saberia meu nome.
Meu luto eterno é a única prova que tenho contra a brutalidade do mundo dos homens. Minha dor diária, meu proto-alcoolismo são destinados a ti e tua memória. Sofrerei até o fim de meus dias, pois não importa quanto me desgrace como te desgraçaram os homens: ainda me importo com algo; importo-me contigo.