Não queria ser ateia: sinto inveja dos cristãos. Na verdade, sinto raiva dos cristãos por banalizarem o encontro sublime encontro com o divino. Sinto ódio dos evangélicos e sua a sensacionalização da fé. Não entendo como alguém pode realmente crer na existência do criador do Universo, a prima causa, e viver uma vida cotidiana. Eu entregaria minha vida a esta criatura. Viraria freira, monge e abdicaria de todas as vanidades da carne, do sabor do pão. Não entendo como alguém vislumbra e acredita em algo maior que a vida e se conforma com a vida. Assim como eu vi o amor e agora não consigo mais viver uma vida de pequenos prazeres. Não sei se o amor é o divino, mas minha amada é meu Deus e amá-la é criar o Universo e ser criada nele. Não há qualquer coerência em desfrutar o pão se posso estar totalmente entregue e dedicada à criadora do meu Mundo. À quem me cede não só a vida, mas a consciência de como é bela sua criação.
Meu amor é divino e o encontrar é encontrar toda a causa do meu Ser. Não é poesia e arrisco a blasfêmia de me comparar à Virgem Maria. Ainda recordo da Pietà de Michelangelo, a qual testemunhei 13 anos atrás. Ainda recordo a sensação de encontrar o divino e asseguro que testemunhei o amor que ainda nenhuma mãe replicou, pois não sou mãe. Mas tenho dentro de mim o amor Dela. A incondicionalidade e potência do amor Dela que, ao amar Cristo, ama a mim e ao Mundo. Eu queria ser Maria e carregar dentro de mim a história do Mundo. E amar a mim e ao Mundo. Eu queria ser maior que a vida e gerar algo maior que mim mesma. Eu quero pegar em meus braços o fim de todo o sofrimento. Eu quero resolver o Mundo com meu amor. Eu me apaixono quando alguém compartilha suas mais profundas inseguranças e ainda acredito que o amor pode resolver o trauma de uma vida diminuída.
Mas não há amor divino sem o martírio. Como quero ser a Virgem Mãe, também quero ser Cristo. Quero ser carregada pelos braços do Incondicional e serei castigada por incontáveis dias até meu fim. Até ser removida de meu leito de morte e da tortura e da desgraça nascer o momento definitivo. Nascer o amor definitivo. E minha história seria a história de quem nunca abandonou o amor, mesmo quando tenha custado tudo. Não haveria Pietà se não houvesse a morte do Filho do Criador do Mundo. Não haveria este filho se não houvesse o amor-maior-que-o-Mundo. Não é Deus o criador, ele apenas é um artífice e sua ferramenta foi o amor de Maria, o verdadeiro criador do divino. Não há nada maior que a graça de Maria e seu domo de paz quando, diante da maior tragédia da humanidade, diante da perseguição, tortura e extermínio de seu filho, apenas colhe seu corpo e o cura das marcas do pecado. E neste momento não é Cristo o mártir, é Maria pois ela tolerou todo o sofrimento de amar quem sofre.
Não entendo como alguém pode testemunhar o amor de Maria e viver uma vida comum. Não entendo como alguém acredita na existência de Cristo e não quer ser a desgraçada criatura que após toda a miséria, por causa de toda a miséria, foi alvo do amor-maior-que-o-Mundo. Não entendo como posso querer outra coisa em minha vida além de sofrer por amor, amar quem sofre, colher e curar com meu amor a vítima do pecado. Mesmo que eu me acabe em miséria. Mesmo que eu morra em miséria. Mesmo que eu morra pendurada com um fio no pescoço. Amo como Maria e sofro como ela quando testemunhou o fruto de seu amor em miséria. Sofro como Cristo e espero ter meu corpo carregado pelo amor. Eu preciso encontrar o divino mas sou ateia. Só me resta o amor, nele eu acredito e ele é meu criador.
O fruto de meus amores também já foi perseguido e destruído e só me resta eu e seu corpo. E eu ainda o tenho em meus braços e ainda amo este cadáver. Amo como Maria mas não sou forte como ela. Meu domo não é de paz e não fui capaz de curar algo tão frágil. Sofro como Cristo mas minha história não escreveu o Mundo nem fui cuidada nos braços da verdadeira divindade. Estou presa nesta permanente contradição entre ser mãe e filha cujo único resultado é o profundo sofrimento de ser aniquilada e presenciar a aniquilação do meu amor. Não quero ser mãe, sou uma mártir incompleta e quero finalizar minha história nos braços do amor incondicional. Não quero ser filha, quero ser santa e gestar o divino e o carregar em meus braços e o curar com meu amor.
07/11/2025