Eu sempre acreditei que nada era irreversível. Isto é, tudo que depende do espírito humano é reciclável, retornável, ressignificável: o desejo humano de construir tudo a seus termos e destruir a Segunda Lei da Termodinâmica. Paul Beatriz Preciado me iludiu com suas teses de construir uma humanidade pós-humana, completamente pautada pelo despotismo contra as regras naturais, do corpo ao amor. E de contratos determinados a priori floresceria o verdadeiro significado de amor. E a palavra amor significaria o incondicional, por definição. Eu assinaria, assim como assinei, estes contratos. Amei, e amo, pessoas que odeio por conta do que fizeram contra mim. Ainda as amo e reverteria todas as agressões que recebi pois é minha obrigação contratual, a qual deliberadamente assinei e estive ciente dos termos. Infelizmente, coube à outra parte apenas ignorar os papeis assinados.
Amo-as, mesmo adeptas da irreversível flecha do tempo que tudo destroi e mata, eu inclusa. Nós, inclusas. E não há recurso judicial, moral, ético. O contrato que assinei é somente recurso teórico de vanguarda. Nunca solicitei formalmente suas assinaturas, pois meu amor é incondicional e as amo mesmo que nunca tenham manifestado qualquer desejo de me assegurar a reversão das tragédias. Mesmo que neguem minha tese. Mas não nego meu interesse no contrário. Clamo em prantos, agora, como se estivessem em minha frente, o rigor conceitual da palavra amor, a qual me direcionaram. Uma na mesma noite, outra ao longo dos meses, queimaram suas palavras, como quem segura os termos impressos sobre uma vela e lentamente observa a mais básica e irreversível reação química. Mas a elas cabe destruir, ou deixar morrer, o amor. A elas apetece minha derrota.
Assim como nunca assinei o contrato de estar viva e não quero ser cobrada por suas consequências. Recuso este evento. Não quis, nunca perguntaram. A diferença é que este sou obrigada a cumprir, pois não tenho coragem do suicídio. Almejo a reversão do ato de nascer e requeiro ser morta, de forma indolor e humana, pelo conjunto humano que sustentou meu nascimento. Dispenso, somente, a presença de meus pais na construção e no testemunho deste contrato suicida, não por os abster de responsabilidade pela dor experimentada agora, pelo choro e desespero direcionado à sombras de pessoas já muito distantes. Mas para os poupar de presenciar meu verdadeiro Eu.
Vejo como injusto eu ser obrigada a percorrer este contrato e todas as outras desfrutarem a inconsequência de palavras e termos pronunciadas. A elas foi fortuito reverter a mais nobre palavra. A mim, nada é reversível. Nunca pude me justificar ou explicar, nunca pude reverter meu nascimento. Não pude reverter ações, palavras. Não posso reverter um dia te-las conhecido. Todas foram embora e isto é irreversível, por opção. Resta-me a inexorável decadência por constatar ser a única parte cuja assinatura está presente.
E por observar a irrelevância do rigor conceitual de amar, exijo meu direito de relevar o contrato da vida. Não quero mais jogar, sair, praticar esporte, viajar. Presenciei a vida e concluo: satisfazer-me-ei quando eu tiver os mesmos direitos de queimar contratos. Ou, melhor, de requeri-os e cobra-los.
A., D., A., H., algumas disseram me amar e delas cobro imediatamente. Outras nunca disseram, mas vós tendes minha lealdade e minha assinatura. Joguem-me na vala se eu falhei em cumprir minhas obrigações. Mas a vós nada valeis e já não adianta solicitar, implorar, explicar. Fui levada pela marcha do tempo e somente em acidentes arqueológicos encontrarão meu nome.