Hoje declaro falência. Não sei mais qual ação me resta quando constato algum farrapo de contentamento surgir diante da tragédia.
Hoje foi o último dia no qual vi teus olhos. E na mesma medida não sei o que há no mundo além dos teus olhos; não sei como conseguiria viver ao ser obrigada a ver, e somente ver, teus olhos.
Imagine atingir o mais profundo subaquático e testemunhar a erupção vulcânica que cria o mundo ao longo dos séculos. Imagine viver à visita de um buraco-negro e poder relatar em uma palestra traduzida simultaneamente em vinte idiomas o segredo do Universo. Não consigo imaginar qualquer vida que não viva em função dessas experiências. Nenhum epitáfio será escrito sem citar essas experiências.
Eu precisaria falar todos os dias sobre teus olhos, até atingir o limite da patologia. Eu me encarceraria e me entregaria à polícia por abusar do relato do abismo dos teus olhos. Já não há vida nessas circunstâncias. E encontro alguma paz em saber que nunca mais estarão diante de mim. Não é como se eu já tivesse pouca miséria dentro de mim. Recuso ser obrigada a ver, e somente ver, teu olhos, obrigada.
Mas estou consciente de que testemunhei a beleza do Mundo e sepultarei o testemunho daquilo que Deus criou. Negarei Cristo três vezes. Beijá-lo-ei na face em troca de ouro. E em troca de nunca mais me perguntar se os romanos batem à minha porta. Paz.
A paz que nunca me foi oferecida pelo amor encontro na recusa dos teus olhos, os quais chamo Vida. E não sei o que mais me resta no espírito se minha única paz é fugir de ti. Declaro falência. Leiloo minha consciência; a massa falida. Vendo-me ao Diabo pois já não tenho mais valor; que me carregue.
Como o próprio Diabo, hoje eu sorri diante da catástrofe. Sorri diante da morte violenta e do sangue espichado na parede. Viver sem teus olhos, depois de saber que existem, é a condenação prevista à Eva depois de comer o Fruto. E encontrei a Paz ao ser expulsa do Paraíso.