Álcool

Estar bêbada, obviamente, não ajuda a me sentir melhor. Não ajuda a pensar, decidir, redigir, cogitar, ponderar. Digitei e deletei uma dúzia de mensagens. Cada qual pretendia atingir o cerne da questão, promover uma ruptura epistemológica na outra pessoa. Uma única mensagem que dissolveria o tecido da existência e ressignificaria o amor. Obviamente, nenhuma atingiu esse objetivo. E padeci. Padeço pela incapacidade de solucionar as demandas do viver e do amar. Padeço pelas duras palavras que me disseram, numa mensagem de texto online as quais me recuso responder pela tamanha falta de respeito em aniquilar tudo pelo conforto do lar, e que trazem tantas questões que seria impossível tratar todas em uma única mensagem e, portanto, injusto selecionar uma dessas questões para responder.

Este é o mecanismo diabólico das mensagens de texto: haverá, sempre, mais uma ponderação. Enquanto o autor das mensagens reside pacífico em sua redoma virtual, eu sofro com as consequências da vida real e da neuroquímica. E das infinitas e incompletas respostas. O álcool e sua notória desinibição apenas me trouxe próxima de acatar uma das respostas como suficiente, apesar de não ser. Não enviei nenhuma, no entanto. Fiquei absolutamente no mesmo estado.

Volto agora dois dias depois. Estava muito bêbada e dormi. A conclusão é que o sofrimento, quando bêbada, perfura profundamente e doem partes do corpo que teoricamente, ou anatomicamente, não existem. Não há milagre nisto, a dor é continua e permanente. Nenhuma droga produz suas graças ou horrores, apenas realizam o dado da mente. Mas o álcool é gracioso pois no mesmo microssegundo que a pior dor incorpórea me consome e sinto meu colapso como inevitável, tudo passa e já não sinto nada. Este ciclo se repete dúzias de vezes por segundo. Ou talvez um ciclo a cada quinze segundos e já estou muito bêbada para saber aritmética. Não importa a quantidade, o importante é ver a possibilidade de me ver livre do júdice do adeus, cuja pena é a saudade.

a